sábado, 8 de abril de 2017

Entre acenos e afetos*
                                                               Roberto Medina

Créditos: Adriana Franciosi, Agência RBS


             João Gilberto Noll se destaca no panorama da literatura brasileira pela força contida na arte da palavra. Sujeito que se desafiava a cada nova empreitada na escritura, tanto para jovens como para adultos. Os romances de Noll iam e vinham, pulando as fronteiras de sua querida Porto Alegre. Se um protagonista estivesse no exterior, de alguma forma, o imaginário gaúcho permearia a tessitura de palavras.
         Além disso, romances e contos pululam o imaginário dos leitores brasileiros e estrangeiros, algumas narrativas nascendo na infância, e outras na própria empresa do viver. Ainda lembro de um encontro com Noll, expressava a mecânica das artimanhas que se revelam no ato de composição do romance, ele dizia com a calma das vozes dos que pensam: “Sim, exige muito. É esforço de reescritura. Mas é preciso deixar fluir a mão, o canto das palavras virá junto”.
            Noll nunca fugia de uma boa conversa. Certa vez, confessou que sentia falta de trabalho e de esmero em algumas escrituras contemporâneas. “E como tu foges disso, Noll?”, perguntei. Ele: “Releio constantemente Camões e Padre Viera. Essa é minha faxina linguística.” A partir de sua literatura, é possível pensar a arquitextura de um bom conto e de um bom romance. Claro, todos escritores têm perguntas próprias e idiossincracias, sua forma de compor o texto do corpo e o corpo do texto. Para ele, os afetos migram do masculino ao feminino, sem pudores forçados por conta de um leitor virtual a ser encontrado na malha textual. Gosto de como ele embrenha o homoerotismo no tecido das páginas, há uma música que soa no diapasão do humano.
            A obra de Noll é dínamo e bálsamo para nossos tempos de intolerância. No entanto, as vozes que estão nas narrativas já ocuparam recitais, palcos teatrais, histórias em quadrinhos e tela dos cinemas, por exemplo. É indiscutível o número de dissertações e teses que investigaram a produção desse escritor. Na UnB, citamos a atual pesquisa de doutoramento de Elizabeth Barros, orientada pelo Dr. João Vianney Nuto Cavalcanti, do Póslit. Isso aponta para o boom escritural de uma geração da qual Noll fez parte; entre ele, estavam Caio Fernando Abreu, Moacyr Scliar e Sérgio Faraco. Como lembra a escritora Marcia Denser: “um grande estilista, inventor de linguagem. Noll trabalhava com o laboratório da língua.”
Noll, em potência e direção múltipla, deixa o signo escritural que nos faz retornar ao texto à procura da marca pessoal. Ainda posso ouvir sua voz baixa ao ler um fragmento, algo que se tornava canção vinda da mente do escritor. Não precisamos de todo esse aparato para os enunciados literários dele, apenas podemos deixar o gozo barthesiano nos atingir, aqui, bem no centro do ser. As personagens de Noll têm uma segunda camada, têm uma busca existencial. Talvez, fosse o jeito solitário que o autor imprimia à sua vida e à das personagens de papel. Alguns livros de Noll são paradigmáticos, como: O Cego e a Dançarina, A Fúria do Corpo, Berkeley em Bellagio, Hotel Atlântico, Anjo das Ondas, afora outros. Os meus romances de afeto: Lorde e Acenos e Afagos.
          Como ensina o dito árabe: “Quando um homem das letras morre, incendeia-se um biblioteca”. No caso do amigo e escritor João Gilberto Noll, explodem as palavras, para depois se aninhar e renascer em no nosso íntimo, despertando a fúria dos nossos corpos leitores e atiçando um animal inquieto na esquina das páginas.

*Este texto foi originalmente publicado no jornal Correio Braziliense.

4 comentários:

  1. Parabéns ao LITCULT por agregar professores e pesquisadores de tão alto nível de produção textual. Belíssimo texto do Professor Roberto Medina.

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  2. Parabéns ao LITCULT por agregar professores e pesquisadores de tão alto nível de produção textual. Belíssimo texto do Professor Roberto Medina.

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  3. Texto muito bom! Instiga e inspira. Parabéns!

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