segunda-feira, 20 de agosto de 2012

REPENSANDO O CÍRCULO DE BAKHTIN

João Vianney Cavalcanti Nuto

            Dadas as circunstâncias complicadas de sua produção, a recepção da obra do hoje chamado Círculo de Bakhtin tem sido marcada por uma visão um tanto hagiográfica dos seus membros, principalmente daquele que é tido como o mentor do círculo. Complementa essa visão certa idealização, que, ao descobrir a riqueza da obra do círculo, não tinha o devido acesso ao contexto que permitiria avaliar corretamente as influências que poderiam contribuir para relativizar a originalidade dessas reflexões.
            Repensando o Círculo de Bakhtin, de Craig Brandist, é uma coletânea de ensaios que resultam de cuidadosas pesquisas nos arquivos da Rússia. Os ensaios exploram as tradições filosóficas que os influenciaram, algumas já devidamente observadas por outros estudiosos; outras, nem tanto. Cassirer e Burckhardt são apontados como influências importantes na cosmovisão carnavalesca do Renascimento, tal como concebida por Bakhtin. Analisando as fontes para o desenvolvimento da concepção de dialogismo por Voloshinov e Bakhtin, Brandist observa a influência de Franz Brentano e de Karl Bühler. A atenção de Brandist para o contexto soviético permite que ele perceba convergências – sem ignorar as diferenças – entre o pensamento de Bakhtin e o de Vygotsky; convergências que não derivam somente de um ligeiro contato direto, mas de influências comuns no ambiente intelectual soviético da época.
            Craig Brandist não é o primeiro estudioso a ter acesso aos arquivos de Bakhtin e de outros membros do círculo. No entanto a atenção especial que devota ao papel das instituições no desenvolvimento não só da obra do círculo, mas das ciências da linguagem de maneira geral, na União Soviética da época, permite interpretações que extrapolam a simples idealização do talento individual de Bakhtin e de membros do seu grupo. Isto lhe possibilita situar mais precisamente a obra do círculo de Bakhtin, demonstrando as influências do meio intelectual, em vez de simplesmente destacar divergências e celebrar uma suposta originalidade absoluta do círculo. Assim é que ele analisa a influência dos estudos jurídicos na teoria da linguagem do círculo, além dos estudos lingüísticos propriamente ditos. Muito esclarecedores sobre o contexto intelectual soviético são os ensaios “As origens da sociolingüística soviética” e “Linguística Sociologia em Leningrado: o Instituto de Estudos Comparados das Literaturas e Línguas do Ocidente e do Oriente (ILIaZV)” 1921-1933.
            Com seus trabalhos, Craig Brandist apresenta uma contribuição importante para uma visão mais crítica e histórica da obra de Bakhtin e seu Círculo, sem aquele viés idealizador e hagiográfico que caracteriza sua primeira recepção. Além disso, o autor tem sempre o cuidado de valorizar a contribuição de outros membros do círculo, como Volochinov e Medvedev, apresentados como pensadores e pesquisadores vigorosos, em vez de simples discípulos de Bakhtin. No caso de Volochinov, as análises de Brandist não apenas aponta diferenças, mas também contribuição para as reflexões presentes na obra assinada por Bakhtin.
Como afirma Brandist, não se trata de simplesmente desmascarar Bakhtin, mas de desmistificá-lo. A avaliação das influências não somente intelectuais como também políticas e institucionais, não desmerecem o trabalho do Círculo, mas permitem uma compreensão mais crítica das origens do seu pensamento. Tudo isso com a autoridade de quem não somente teve acesso aos arquivos, mas soube interpretá-los com perspicácia e, por isso, mesmo, voltou-se para alguns documentos até agora pouco ou nada examinados por outros estudiosos.

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